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Ohtakes

abstração intuitiva
Curadoria: Ana Avelar
31/05 - 01/07/2023

Tomie Ohtake começa a pintar aos 40 anos, no início de década de 1950, sendo integrada, pela crítica, ao nicho dos “pintores japoneses”, uma categoria que homogeneíza a obra desses artistas. Ao adotar uma linguagem abstrata, a pintora singulariza-se, escolhendo primeiramente, investigar as formas construtivas, depois assumindo a posição lírica pela qual ficaria conhecida. Alvo de críticas por ter se iniciado tardiamente na pintura, Tomie manteve sua pesquisa artística no campo da arte abstrata por toda a vida, experimentando diferentes possibilidades do gesto e da mancha, mas também explorando o tridimensional em espaços urbanos. Essa defesa das formas irregulares, biomórficas ou orgânicas e aquelas resultantes da gestualidade, que foram tão relevantes entre o começo e meados do século XX como possibilidade de comunicação universal, transforma-se e atualiza-se acompanhando o debate artístico.

Em 1960, quando a abstração lírica no Brasil atingia popularidade e Tomie recebia o reconhecimento por meio de prêmios em salões e bienais, Ruy Ohtake forma-se em arquitetura e dialogava com o chamado “brutalismo paulista”, que pautava o ambiente paulistano no período conduzido por figuras referenciais como Villanova Artigas. Em menos de uma década, ele projetaria a casa da família, onde Tomie manteria seu ateliê até o fim.

Comentadores salientaram como a arquitetura de Ruy Ohtake resultaria num encontro dessa formação somada ao olhar para Niemeyer, mas também para Tomie. Visível é essa referência à obra da pintora, particularmente a partir dos anos 1980, quando a abstração lírica de Tomie se torna cores, planos, volumes e formas constitutivas dos projetos arquitetônicos. Como escreve o professor de arquitetura Rodrigo Queiroz, “Ruy explicava seu procedimento projetual definindo a beleza como resultado da relação equilibrada entre elementos diferentes: a reta e a curva, a luz e a sombra, o pesado e o leve, a opacidade e a transparência, a presença e a ausência da cor etc.”.

Se na pintura de Tomie, esses elementos e suas relações aconteciam sobre a tela, em Ruy, a pintura tornava-se espaço vivível e experiência corpórea. Essa tridimensionalização das formas revelava-se ainda em móveis, tanto fixos para os projetos, como soltos no espaço.

A abstração ganha contornos específicos nos anos 1980; em Tomie e Ruy, o movimento ondula pinturas, móveis e construções. A paleta é vibrante, como na estética visual televisiva do período; as formas ecoam grafismos da Arte Pop, uma referência para a comunicação de massas.

Rodrigo Ohtake formou-se arquiteto em 2009, na mesma alma mater em que o pai havia estudado, e poucos anos depois de finalizado o edifício Ohtake Cultural, que viria a edificar essa parceria familiar. Rodrigo segue na frente arquitetura-design, formalizando a abstração em objetos e espaços habitáveis. Ao ser entrevistado, frisa o elemento intuitivo como parte do processo de produção.

Nesse sentido, seria possível se pensar que uma abstração sensível, aquela que coloca a intuição como elemento imprescindível do processo produtivo, como constante ao longo de tantas décadas para os Ohtake. Esse dado intuitivo pode aparecer em termos de composição, podendo ser lido como “livre”. Não é gratuito, tampouco espontâneo, é sempre resultado da experimentação, da pesquisa, do conhecimento artístico para lidar com as formas abstratas.

Nesta exposição, a obra de Tomie encontra a de Ruy e a de Rodrigo, traçando percursos das formas abstratas do segundo pós-guerra até os dias de hoje, da pintura à arquitetura e ao design de mobiliário. Não são a mesma abstração: encontram-se no processo intuitivo; diferenciam-se na compreensão das matrizes modernas – arte europeia, arquitetura europeia e brasileira – e nos debates que mantêm, até hoje, o interesse pelas formas fluidas, moles, em fluxo.

Texto por Ana Avelar e Rachel Vallego