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Christus Nóbrega

Floricultura
23/09 - 04/11/2023

Lugar espaço – temporalmente delimitado, lugar do encontro com o efêmero da vida, com a diversidade das formas cores e gêneros, lugar do sublime. Do belo, que independe do esforço do humano para se reproduzir, mostra como a natureza se impõe e de certa forma marca a impotência do homem em não ser seu criador.

Christus nos entrega sua floricultura, o seu “mar de rosas” inquietante revelado, por exemplo, naquilo que está presente no microuniverso de Rachel Ruysch, (1664-1750). A primeira mulher artista a ser reconhecida por suas obras com natureza morta, ao apresentar insetos e flores já sem vida, trabalha um cenário de questionamentos que nos remetem àquilo que os humanos mais tentam se esquivar ao longo de suas fugazes e narcísicas passagens pela vida. Nos confrontamos aqui com a morte e a decrepitude que dão sentido à existência e às quais o tempo nos submete.

Quem sabe a inteligência artificial trazida pelo artista não esteja aí como mais um questionamento sobre as tentativas humanas de prolongamento de si mesmo, como mais uma ferramenta de extensão da vida, reproduzindo os sentimentos que uma floricultura nos provoca? A floricultura, como um lugar de encontro com caules cirurgicamente cortados, faz urgir os relógios e nos aponta para a finitude.

Os caules que pingam seivas chorosas já perderam sua capacidade de continuar sendo broto e aguardar um florescer. Opera aí a ideia do esvanecer da nossa própria imagem no espelho, marcada pelos cortes de tudo aquilo que já não pode mais ser.

Nesse jardim em forma de museu de arte, as espontâneas obras de arte criadas pela própria natureza, assim como a artificial máquina de inteligência criada pelos homens, estão em diálogo.

A floricultura de Christus interpela os sentidos da existência. Nos submerge ao universo da experiência com o belo e com tudo aquilo que a estética de imagens vãs, vanitas, trazem nos jogos da natureza dita “morta”. O efêmero e a vaidade presente em tal estilo artístico, nos impulsionam a uma dialética existente no encontro entre o fútil o útil e os prazeres intrínsecos à nossa passageira condição humana. Nos impulsionam, portanto, a interrogar aquilo que é da ordem dos desejos inconscientes e que constitui uma necessidade apesar de não se incluírem na lógica da utilidade.

Este passeio nos leva a um caminho estético articulado entre o sensível e o inteligível, que captura a nossa contemplação e incita à capacidade de sermos um outro.

Como um passeio fluido pela Marcha das Margaridas, essa volta pela floricultura de Christus também celebra vidas vanitas, vidas como a de Margarida Maria Alves, a paraibana do brejo que lutou pelo fim da violência no campo. O seu ato de pura beleza levou-lhe à morte pelo sustento de uma causa do bem. Maria Alves foi uma margarida que traduziu o percurso de vida de uma flor: nasceu e cumpriu seu ciclo de beleza, o qual veio a ser interrompido por um ato de violência que a eterniza. Margarida Maria Alves reproduz, à sua maneira, os cortes cirúrgicos dos caules das flores, a lágrima saída da seiva que pinga na floricultura de Christus.

Bem-vindos às diversas formas de fruição, de “obrar a vida humana”. O passeio pela exposição resgata o conceito aristotélico de mimesis, pois o que vemos não é a cópia da realidade, mas uma transformação da realidade, ou seja, uma poiesis.

Entre criadores e criaturas, Christus nos afeta com uma linda experiência, que não se sustenta por um único criador, mas que permite ser atravessada e nos atravessar por “outras criaturas”. Criaturas são aquelas que são constituídos por “criadores” e que se definem por serem produtos de um Outro, e não um único criador. Christus traz vários Outros, no sentido lacaniano do termo, artificiais ou não, mas que de forma fluida e generosa, reproduzem e compartilham novas poiesis.