Liliane Dardot

Tanto nas obras apresentadas quanto no texto de autoria da artista o vazio é evidenciado. Há uma supressão de letras do título no texto de sua autoria, logo abaixo. Sua grafia em um novo registro dialoga com a visualidade das pinturas que, em hiatos, suprimem ou sugerem o esvanecimento das imagens numa referência à situação do bioma que há anos é objeto de pesquisa de Liliane. Ambos os conteúdos – textual e pictórico – aludem à gradual destruição enquanto celebram a riqueza única do Cerrado.

Sentidos e memórias são despertados pelas sobreposições de camadas de cores compostas por tintas e pigmentos, em texturas ásperas, de surpreendente presença. O ângulo de incidência da luz e o deslocamento do espectador alteram muitas vezes a visualidade das obras.

Objetos que dão acesso ao processo de estudo e pesquisa, generosamente trazidos a público pela artista, tornam-se obras independentes com força e autonomia, e conferem às pinturas novos significados por meio da intimidade do fazer artístico que se revela.

Texto de autoria de Liliane Dardot para a exposição Cerrado:

C RR D

Para um depoimento em nome de:

fazer muitos desenhos e entrar em sintonia com as formas de plantas que se mostram em sua força e resistência (invenções e caprichos para receber a luz, muita, e a água, pouca).

adivinhar as raízes profundas que no solo pobre conduzem as águas (excedentes!)

procurar saber como se formam os depósitos aquíferos, subterrâneos, que vão alimentar nascentes,

alhures.

impregnar-se de uma beleza outra, mais rude, mais verdade crua.

criar para as pinturas campos de aderência, com asperezas de solo, para reflexão da luz: titânio, zinco e carbonato de cálcio e sílica, em um médium acrílico.

deixar que a mão, o pincel e a tinta instaurem em campos de cor/pigmento novas formas, vivas

memórias.

somar cores nas camadas sucessivas, sedimentares, fazendo sobreposições de formas e/ou contra

formas.

perceber e fazer agir as variações da luz incidente para que assim se revelem ou se ocultem, para o

visitante que se desloca no espaço, alguns elementos da pintura.

descobrir ao longo do dia e da noite o que se mostra; vislumbrar o que desaparece.

Assim falar em nome de: CeRRaDo.

Bioma que não é reconhecido em sua riqueza, importância e beleza. O que dele já está faltando e o

que está ameaçado.

Liliane Dardot

Brasília, primavera de 2020.